JORNADA ABCA 2022 - A CRÍTICA DE ARTE NO SEU TEMPO E ENTRE TEMPOS
Apresentação
A Crítica de Arte no seu Tempo e entre Tempos foi a temática escolhida para a Jornada ABCA 2022, que ocorreu remotamente, com exibição via plataforma YouTube, e em formato compacto, com palestras distribuídas em dois diferentes dias. Abordar a temporalidade do discurso crítico implica não apenas considerar sua inscrição no tempo imediato de realização e reverberação pública, mas também seus desdobramentos na história. Assim como as imagens, a crítica de arte se constrói na articulação de tempos, no entrecruzamento de discursos e na trama de referências estéticas, sociais, econômicas e políticas, promovendo reflexão e debate.
Para configurar essa dimensão analítica, convidamos pesquisadoras e pesquisadores de diferentes regiões do país (Pará, Paraíba, Paraná, Pernambuco, Rio de Janeiro e São Paulo) e do exterior (Argentina e França), seguindo o direcionamento da gestão atual da ABCA. Os Anais do evento congregam a maior parte dos textos decorrentes das comunicações da Jornada.
No texto Deslocamento do tempo e anacronismo na imagem: ensaio crítico sobre algumas obras da artista maranhense Gê Viana, o pesquisador Jacques Leenhardt toma alguns trabalhos da artista Gê Viana como fio condutor. Para ele “todos nós participamos, em graus variados, de múltiplas e distintas temporalidades”. No entanto, no caso de artistas pertencentes a culturas tradicionais amazônicas, essa experiência produz “uma tensão particular”, pelo fato de “essas comunidades vivenciarem profundas discrepâncias entre si”. Assim, os trabalhos de Gê Viana, por meio do uso de diferentes tipos de colagem, articulam muitas dessas tensões, “jogando com a temporalidade” e “com formas de anacronismo”.
Na sequência, o texto de Sonia Gomes Pereira, intitulado O método crítico de Gonzaga Duque, centra-se na análise de alguns aspectos presentes no livro Arte Brasileira, publicado em 1888. A pesquisadora reforça que “isto implica a análise da repercussão em sua escrita das teorias artísticas, tais como o Realismo e o Impressionismo, assim como a presença das principais correntes de ideias em voga entre os intelectuais brasileiros, como o Positivismo, e a discussão sobre as raças”. A partir do exame desse conjunto de referências, objetiva “detectar as principais escolhas do crítico naquele momento de mudanças no Brasil, tanto políticas – Abolição e República –, quanto artísticas – como a transformação da velha Academia em Escola Nacional de Belas Artes e o amadurecimento de uma nova geração de artistas”.
O pesquisador Aldrin Figueiredo, no texto A grande chama tupi: manifesto, crítica e modernismo na Amazônia na década de 1920, tem como ponto central a análise da importância e da divulgação do manifesto literário Flami-n’-assú, de Abguar Bastos (1902-1995), “como parte da construção intelectual de um perspectivismo amazônico no modernismo brasileiro na década de 1920”. Desse modo, busca “analisar a formação dos grupos literários no Pará nas primeiras décadas do século XX, seu viso filosófico e suas conexões e distinções com outros projetos artísticos nacionais”, para averiguar como algumas “ideias de modernidade, mediadas por noções de identidade nacional, sob o ponto de vista regional, estão na base da formulação desse ideário”. Para ele, “não se tratava mais de pensar a região [como] um reduto de tradições, perdido no passado, à margem da história”, uma vez que “ideias de futuro, juventude, vanguarda, saber e arte indígenas fizeram parte do repertório cognitivo de sustentação ‘mental’ e ‘espiritual’”, presentes no manifesto Flami-n’-assú.
Em Fora do eixo: arte na paraíba entre os anos 1987 e 1990, o pesquisador Robson Xavier da Costa destaca que as décadas analisadas “foram referenciais para a consolidação da cena da arte contemporânea da/na Paraíba, no encalço do trabalho desenvolvido pelo Núcleo de Arte Contemporânea (NAC), da UFPB, entre 1977 e 1984, seguido pela inauguração da Fundação Espaço Cultural José Lins do Rêgo em 1983, e a realização da Exposição ‘Momentaufnahme’ ou ‘Arte Atual de Berlim’, em agosto de 1987”. Partindo dessas duas referências iniciais, o pesquisador destaca ainda a “criação da Pinacoteca da UFPB, seguida das Mostras Arte Atual Paraibana I e II no início dos anos 1990”. Comenta também que “essas exposições e ações institucionais fizeram parte da inserção da arte produzida e/ou que circulou no estado da Paraíba, na cena nacional/internacional da arte contemporânea, estabelecendo diálogos e marcando um momento histórico que repercute até a contemporaneidade”.
O texto A cidade sensível, de Paulo Roberto de Oliveira Reis parte da definição de arte “como sendo um conjunto de signos incitadores de transformação na experiência de mundo”, evidenciando, dessa maneira, uma sutil trama de fluxos de significação dos espaços-tempo urbanos. O autor objetiva reunir e justapor um conjunto de ações artísticas executadas na cidade de Curitiba a partir dos anos 2000 e então discutir “suas questões poéticas estranhadas nas malhas urbanas”. Um conjunto de ações são pontuadas e agrupadas em quatro conjuntos, que apresentam premissas com foco recaindo sobre as narrativas das artes visuais constituída pelas exposições realizadas.
Mário Pedrosa e Sérgio Milliet: dois críticos brasileiros no contexto da Associação Brasileira de Críticos de Arte, de Lisbeth Rebollo Gonçalves, destaca a relação dos dois críticos, no século XX, com a história da arte moderna no Brasil e com a “projeção da arte brasileira no estrangeiro, especialmente na Europa”. Ao destacar que “Sérgio Milliet viveu de 1898 a 1966 e Mário Pedrosa, de 1900 a 1981”, considera que “no contexto nacional e internacional da atualidade, Mário Pedrosa é quem atualmente atrai a atenção dos especialistas em arte e das instituições artísticas brasileiras e internacionais”. Sérgio Milliet, por sua vez, não apresenta a mesma repercussão, “apesar de haver diversas teses sobre sua produção intelectual como crítico de arte e de literatura, poeta, ensaísta, tradutor e gestor cultural, resultado de pesquisas universitárias produzidas nos últimos 40 anos no Brasil”. Assim, conclui que “fatores ligados ao contexto da globalização cultural podem explicar este fato”.
Por fim, Gabriela Abraços apresenta A Crítica de arte de Mário Pedrosa e a afetividade da Arte – Exposições de crianças e Alienados mentais, no qual há uma reflexão sobre o interesse de Mário Pedrosa pela dimensão afetiva da arte, a partir de seu envolvimento com as escolinhas de arte para crianças e os ateliês de arte para os pacientes psiquiátricos no Centro Psiquiátrico Nacional, realizados na década de 1940 no Rio de Janeiro. Para além de um interesse comum do movimento Moderno, as críticas de arte sobre estes eventos apontam que Pedrosa via na arte uma dimensão educativa para os sentidos e emoções. O texto de Gabriela é dividido em duas partes que facilitam a leitura e a compreensão do proposto na introdução: a arte das crianças; e a expressão artística dos alienados: a afetividade terapêutica.
Aproveitamos para reiterar os agradecimentos a todas as pessoas que participaram e colaboraram para que o evento ocorresse. Desejamos que a leitura dos textos suscite a continuidade dos ricos debates ocorridos durante a Jornada.