Jornada ABCA 2021 - Crítica de Arte Diante das Crises Atuais

Apresentação

Para o esplêndido egotismo de um pensador, a existência dos outros é na verdade sempre inquietante. Ele não pode evitar enfrentar o grande enigma que o arbitrário do outro lhe propõe. O sentimento, o pensamento, o ato de um outro quase sempre nos parecem arbitrários. Fortificamos toda a preferência que damos aos nossos, por uma necessidade da qual acreditamos ser os agentes. Mas, decerto, o outro existe, e o enigma nos pressiona. Ele atua sobre nós de duas formas: uma que consiste na diferença das condutas e dos caracteres, na diversidade da decisões e das atitudes em tudo que diz respeito à conservação do corpo e de suas posses; a outra, que se manifesta pela variedade dos gostos, das expressões e das criações da sensibilidade.
Paul Valéry

Em poucos outros momentos históricos recentes pudemos observar tão fortemente o que o filósofo Paul Valéry nos lembra na passagem acima. Afinal, lidando com a pandemia de Covid-19 desde 2020, as arbitrariedades alheias – não respeitar o distanciamento social, não usar máscara, discursar contra medidas protetivas e atacar a ciência, não reconhecer o ímpeto destrutivo da pandemia sobre as parcelas menos favorecidas da população – puderam ser percebidas flagrantemente não somente como enigmáticas arbitrariedades, mas como efetiva ameaça à vida de todos. A pandemia nos confrontou diretamente com este espaço no qual reconhecemos que a conservação de nosso corpo perpassa o tecido social, sendo garantida pela permanência deste tecido enquanto matéria composta pela contínua relação entre urdidura e trama que mantém tensionados, porém integrados nós e os outros. É este tecido que não somente nos compõe como sociedade como garante nossa proteção em termos, agora sabemos, em nada metafóricos.

Se a pandemia nos confrontou com a agudeza de percepção sobre os  comportamentos do outro, na mesma medida, como afirma o filósofo, nos lembrou que o outro existe! E essa existência esteve – tanto a minha como a do outro – ameaçada por diferentes crises, sejam aquelas diretamente ligadas à existência do vírus e às diferentes atitudes tomadas para combate-lo, sejam aquelas que desde há muito colocam em xeque até mesmo valores basilares de nossa sociedade. É com essa realidade, que também a arte e a crítica de arte têm se confrontado.

Tal paisagem temporal nos serviu de mote ao propormos o tema da Jornada ABCA de 2021: “Crítica de Arte diante das crises atuais”, enquanto espaço de reflexão e debate através da arte, a partir da arte e com a arte, sobre como estamos coletivamente lidando com a realidade atual e suas muitas crises.

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