O triste fim do Museu Mineiro, por Rodrigo Vivas

Di Cavalcanti, Belmiro de Almeida, Guignard, Aníbal Mattos, Renato de Lima, Amílcar de Castro, Sara Avila, Celso Renato, Honório Esteves, Ataíde, Marcos Coelho Benjamim, Yara Tupynambá (…)
Feira vegana, festa junina e doação de animais: o triste fim do Museu Mineiro.

No final de 2004, escolhi concentrar meus estudos na história da arte mineira, principalmente a partir da pesquisa tanto do circuito artístico quanto das obras que faziam parte das coleções públicas, principalmente do Museu Mineiro, Museu Histórico Abílio Barreto e Museu de Arte da Pampulha. Essas coleções, que foram adquiridas ao longo da história da nova capital de Minas, são geridas tanto pela Prefeitura (Museu de Arte da Pampulha e Museu Histórico Abílio Barreto) quanto pelo Estado (Museu Mineiro). Foi possível acompanhar o quadro crônico desse descaso, sendo que em 1915 já existia a “promessa da construção de uma Pinacoteca pública”. Ao longo dessa trajetória publiquei dezenas de artigos, participei de inúmeros congressos acadêmicos, criei um grupo de pesquisa e tive a oportunidade de formar mestres e doutores nessa temática como docente da Universidade Federal de Minas Gerais.
A primeira instituição que começou a demonstrar sinais de sucateamento foi o Museu de Arte da Pampulha que, apesar de reunir 1500 obras dos artistas mais significativos do Brasil, nunca conseguiu um espaço adequado para exposição de suas obras. Atualmente o Museu de Arte da Pampulha encontra-se em reforma e o destino da coleção continua, como sempre, incerto.
Alguns, menos avisados, poderiam afirmar que não existe investimento na área artística em Minas Gerais, mas é rapidamente desmentido pelo grande projeto da Sala Minas Gerais da Orquestra Filarmônica de Minas Gerais. Por qual razão existe uma sensibilidade e uma compreensão sobre a necessidade de um espaço para os concertos e o mesmo não ocorre com as obras de arte? Não precisaríamos também mencionar o Palácio das Artes com um grande trabalho dedicado as artes, mas em se tratando de exposições, apenas temporárias.
Nos últimos anos, o Museu Mineiro passou por reformas que descaracterizam a presença das obras de arte em seu espaço. Di Cavalcanti e Carybé são expostos ao lado de armas históricas; obras de Aníbal Mattos, Belmiro de Almeida, Renato de Lima, Genesco Murta, Honório Esteves, Campão, entre outros artistas reconhecidos disputam atenção com uma peça de mobiliário na Sala das Sessões, localizada no segundo andar do edifício. Os problemas apresentados pela instituição, que reforçam o desprezo e desconhecimento para com o próprio acervo perpassam desde a inadequação das salas expositivas, com falta de climatização e iluminação adequada, quanto a exposição de inúmeras obras com informações incorretas ou incertas de datas de produção ou materiais utilizados. Esses sinais apenas anunciavam os acontecimentos recentes.
No último final de semana, o Museu cedeu lugar a um evento controverso, que foge às atribuições de um espaço para a exibição, divulgação e produção do conhecimento em Artes. Na Sala das Sessões, diante das pinturas ali expostas, foram dispostos tapetes para uma aula de yoga. No pátio, comidas são oferecidas aos presentes em uma festa junina, acompanhado da doação de animais domésticos.
A inadequação do evento com o papel de um Museu parece não ser uma preocupação dos gestores. Não temos espaços suficientes em Belo Horizonte para a realização de feiras e festas desse porte? Desafiamos o Museu a responder as relações estabelecidas entre bandeirinhas, canjica e a produção artística de seu acervo em exposição. Será que alguém seria capaz de elucidar estas questões?
Diante deste cenário, não fica difícil afirmar que escolhas como esta expõem um claro posicionamento pela desvalorização, apagamento da cultura artística e desvio da responsabilidade do Museu que, em breve, poderá acabar como o Museu de Arte da Pampulha que, na ausência de exposições do próprio acervo, tornou-se cenário para a produção de fotografias de noivas e gestantes.
Um Museu de Arte pode realizar atividades diversas? Naturalmente . Ser alugado para realizar atividades fora da sua vocação? Jamais!! O espaço do Museu não se constitui como um acúmulo de objetos, mas cumpre a função de preservar, exibir e principalmente produzir conhecimento. Não precisamos citar a grande sorte de teóricos que discutem os contextos de exibição de obras artísticas ou de apresentações musicais. Muitos ficaram sensibilizados com a destruição do Di Cavalcanti na tentativa do golpe em janeiro. Quantas sabem que existe um Di Cavalcanti no Museu Mineiro? A dificuldade de posicionamento de pessoas sérias sobre o fato apenas confirma a discussão. Grande parte não sabe como funciona um Museu e qual a sua destinação na nossa sociedade. Como esforço imaginativo poderíamos perguntar: se o espaço das salas da UFMG fossem ocupadas no horário de funcionamento das aulas com cultos religiosos de qualquer natureza. Seria tratado com a mesma naturalidade?
Com o desejo que essa seja uma pergunta retórica e concordemos que uma Universidade tenha uma função de produção de conhecimento, assim como deveria ser um Museu.

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