n° 44 – Ano XV – Dezembro de 2017 → VOLTAR
Ensaio
Redescobrir a alma portuguesa em suas matizes poéticas…
Adriana Dantas, arquiteta, pesquisadora, professora, durante seu estágio pós-doutoral em terras portuguesas, reuniu um conjunto de resultados teórico/práticos que deu origem à exposição “Personificação” com curadoria de Jane Junqueira.
Lilian Cristina Monteiro França – ABCA / Sergipe
Herdeiros que somos, de milênios de sua cultura, seguimos admirando e reconstruindo signos que atravessam da culinária à azulejaria de nossos descobridores lusitanos.
Adriana Dantas, arquiteta, pesquisadora, professora, durante seu estágio pós- doutoral em terras portuguesas, reuniu um conjunto de resultados teórico/práticos que deu origem à exposição “Personificação” com curadoria de Jane Junqueira, exibida na Galeria de Arte “J. Inácio”, Aracaju, Sergipe, até o final de novembro.
Na obra que dá nome à exposição, “Personificação” (Figura 1), um jogo de transparências convida o olho a atravessar a aura portuguesa, revelando a prosopopeia dos matizes poéticos que entrecortam a literatura e a arquitetura, retomando a etimologia do termo (persona+ação) entre faces, máscaras e pessoas.

Ancoradas em tal perspectiva, as dezoito obras que integram a mostra apuram temas e personalidades, como acontece em “Pensando Pessoa número um” e “Pensando Pessoa número dois”, quando o poeta e detalhes do conjunto arquitetônico da Alfama surgem pendurados num varal de poesia (Figuras 2 e 3).


Numa das telas, o histórico “Bondinho nº 28”, ainda em circulação, desfila elegante, fundindo janelas/portas, integrando linhas e tramas à Graça e à Baixa, com requintes doirados de realeza e direito a sacolejos nos largos, curvas e declives (Figura 4).

“Menina com burrico” (Figura 5) evoca a tradição da azulejaria portuguesa, cujos motivos compõem-se de cenas inusitadas, muitas vezes ligadas à ancestralidade da cultura popular e apresenta motivos clássicos dessa arte, raramente figurativa, ao modo do estilo D. Maria, dos geométricos floridos ou das grades circulares.

O “Tríptico das Sardinhas” impressiona pela forma, cor, configuração e pelos nomes de batismo: “Selfie”, “Fixe” e “Malta”, que evocam o fado de um povo mergulhado na cartografia de conquistas e multiculturalidade.
Em “Selfie” (Figura 6), a imagem do espírito explorador, o “Galo de Barcelos” refletido os mistérios da justiça, e o autorretrato inquisidor das “mil almas” proclamadas por bardos, “Quem vê é só o que vê” (Fernando Pessoa), e pela lírica dos fadistas.

O olho perscrutador de “Selfie” migra para “Fixe” (Figura 7), gíria portuguesa para designar o que o idioma inglês chama de cool, cuja sonoridade aponta para fish e a grafia para a sensação de equilíbrio, aprofundando a relação entre formas e conteúdos que se integram numa composição fundada em um equilíbrio construído sobre a diversidade, tal qual a história dos portugueses.

A terceira obra, “Malta” (Figura 8), encerra o tríptico: na cadeira descansa a fada, com seu fato, se calhar, “como os que caminham de olhos cerrados” (Maria João Cantinho).

A proposta de Adriana Dantas convida a uma reflexão acerca de nossas próprias origens, recolhendo cacos das múltiplas almas que nos costuram, num exercício, a um só tempo repleto de saudades e desassossegos.
Referências:
CANTINHO, Maria João. Do ínfimo. Lisboa: Coisas de Ler, 2016.
GOMES, Jim Roberto Puga. Exemplos da Azulejaria dos Séculos XVI e XVII, em Coimbra. Dissertação de Mestrado em História da Arte, Património e Turismo Cultural, especialidade em Azulejaria, apresentada à Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, 2011.
Pessoa, Fernando. O Livro do desassossego. São Paulo: Cia das Letras, 2012.